Os desafios de ser mulher e fazer ciência

Neste 08 de março celebraremos o Dia Internacional da Mulher. Hoje, trazemos a discussão sobre o papel da mulher na ciência, as dificuldades para se tornarem pesquisadoras e os desafios que enfrentam dentro e fora da academia.

O ano é 2019. Apesar dos avanços que nós, mulheres, conquistamos para a nossa vivência em sociedade, ainda existem muitas áreas em que precisamos lutar para conseguir espaço e reconhecimento. A ciência é uma delas. Você se lembra de quantas mulheres cientistas e suas descobertas você estudou durante a escola? E homens cientistas?

De forma geral, estudamos rapidamente sobre uma cientista: Marie Curie, a polonesa que pesquisou sobre a radioatividade e foi a única mulher a ganhar o Prêmio Nobel duas vezes. E depois passamos para outras teorias de homens cientistas. Isso depois de já termos estudado as principais teorias de Kepler, Newton, Einstein, Bohr… a lista é longa, os nomes, masculinos.

Números
Segundo dados do Censo da Educação Superior de 2016, do Instituto Nacional de Ensino e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), as mulheres representam 57,2% dos discentes matriculados em cursos de graduação. O Censo de 2017 mostrou que, do número total de matrículas em Universidades, 104.633, o número de homens é de 49.935 enquanto 54.698 são de pessoas do sexo feminino.
Ainda de acordo com o Censo de 2017, no Estado de Goiás, do total de 3.949 docentes, 2.115 são mulheres e 1.834 são homens. As mulheres ocupam mais cargos de docência nas universidades, são maioria no número total de discentes e fazem pesquisa. Mas, na prática, como elas fazem ciência?

Acesso
Para Ceiça Ferreira, docente e pesquisadora do curso de Cinema e Audiovisual do câmpus Goiânia Laranjeiras, o desejo de ser pesquisadora começou desde muito cedo, quando ainda era criança. “Desde pequena eu gostava de estudar, lia muito”, contou a docente. Uma experiência importante na vida de pesquisadora de Ceiça foi o incentivo de uma coordenadora pedagógica da época do Ensino Médio que a motivou a realizar um projeto de pesquisa para o Prêmio Jovem Cientista do Futuro. “Essa experiência que vivi aos 16 anos foi muito importante para a minha formação”, relembrou a professora.

É interessante perceber como o incentivo, desde cedo, tem papel fundamental na busca por se tornar pesquisadora. Foi assim com a estudante de Cinema e Audiovisual, Pollyanna Vaz, cujos pais sempre a apoiaram nos estudos, “Meus pais não tinham cursado universidade e valorizavam muito o estudo”, afirmou a estudante. No começo, não foi fácil. Pollyanna tinha que ir a outra cidade para fazer as provas de vestibular, mas, para ela, o principal obstáculo era se sustentar para conseguir concluir o curso. A estudante está em um momento de transição do curso de Letras, que concluiu, para o curso de Cinema.

Academia e mercado de trabalho
De acordo com o relatório Sinopse Estatística da Educação Básica, baseado no Censo da Educação de 2017, dos 2,2 milhões de professores dos ensinos Fundamental e Médio, 1,8 milhão são mulheres. Para Lorena Francisco de Souza, professora do curso de Geografia no câmpus UEG Itapuranga, as mulheres são mais associadas à profissão de docente, especialmente na educação básica, pois existe uma ideia de vocação sagrada “nos moldes de uma sociedade patriarcal, que só pode ser melhor concebida e exercida por mulheres”, explicou a professora.

A professora Ceiça revela que, na área cinematográfica, apesar de prevalecerem como docentes, a maioria dos profissionais ainda é masculina e branca. Segundo pesquisa da Agência Nacional de Cinema (Ancine), dos 142 filmes lançados em 2016, 75,4% foram dirigidos por homens brancos; 19,7%, por mulheres brancas; 2,1% por homens negros e nenhum filme foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra. “Tais números evidenciam as desigualdades raciais e de gênero existentes no cinema brasileiro”, salientou a professora.

Assim como na docência, onde o ato de ensinar é remetido ao feminino, na área cinematográfica também existe a ideia de que a produção é uma função feminina: “Associa-se o feminino ao cuidado e, assim, à função de produtora, enquanto o masculino é associado à posição de roteirista e diretor”, relatou Ceiça.

Reconhecimento
Apesar de serem maioria, a busca de pesquisadoras, docentes e cientistas por reconhecimento e valorização dentro da academia ainda não é fácil. Essa dificuldade de reconhecimento gera a necessidade de a mulher ter que se reafirmar dentro da sua profissão, na academia como estudante, na sociedade. Para Ceiça Ferreira, no caso da academia, muitas vezes a pesquisadora tem sua pesquisa considerada de menor valor científico, “ainda mais se o tema for a representação de minorias e a intersecção de raças”, afirmou a professora. Segundo Ceiça, estes ainda são temas marginalizados na academia.

Para a professora Lorena, é importante realizar direcionamentos pedagógicos para os alunos no sentido de combater o machismo. “Nas ciências humanas, nós temos um pouco mais de contato com as leituras mais combativas”. A professora também relatou que convive com muitas profissionais da área de exatas que dizem que a necessidade de combater o machismo é ainda mais recorrente. “É muito comum duvidarem da sua capacidade intelectual, de liderar, de fazer pesquisa, quando se é mulher”, explicou.

Incentivo
Como estudante, Pollyanna acredita que um passo importante para o aumento no número de mulheres fazendo ciência é o incentivo, desde as primeiras séries até o Ensino Médio, além de “campanhas públicas de incentivo e visibilização das mulheres já atuantes em todas as áreas da ciência”, afirmou a estudante. Pollyanna também atentou para a necessidade de combate ao assédio e violência dentro da academia e nos locais de trabalho. “A omissão com relação a estas questões afasta muitas intelectuais da academia”, alegou.

Na esteira do incentivo a mulheres cientistas, a L’Oréal Brasil, em parceria com a Unesco Brasil e a Academia Brasileira de Ciências, premia pesquisadoras há 14 anos por meio do Programa Mulheres para a Ciência. Todos os anos, são premiadas sete pesquisadoras de diversas áreas do conhecimento com uma bolsa-auxílio de R$ 50 mil para dar continuidade a suas pesquisas.

As inscrições do Programa Mulheres para a Ciência de 2019 abrem neste 08 de março. Para saber mais sobre o prêmio e regulamentos, basta acessar o site https://www.paramulheresnaciencia.com.br

Anna Carolina Mendes/Cecom UEG